sábado, janeiro 22, 2005

Segurança proactiva

Tendo escolhido este título, o autor destas linhas mais não pretende que fazer uma pequena e modesta abordagem a dois dos mais badalados vocábulos do jargão académico, abundantemente mediatizados e, logo, abusados.

Muito se tem falado e escrito sobre estes conceitos, mas as definições académicas não abundam.

Antes de mais, com o atrevimento e a liberdade intelectual que nos caracterizam, gostariamos de concretizar os conceitos, de forma clara e minimamente científica.

Para nós, Segurança é a efectiva minimização do Risco, devidamente avaliado à luz da informação disponível.

O Risco objectivo é o número de probabilidades de ocorrência ou concretização duma ameaça ou conjunto de ameaças.

Risco subjectivo, por sua vez, será a percepção, individual ou colectiva, das probabilidades de ocorrência ou concretização dessas ameaças.

Quanto ao conceito de ameaça, propomos defini-la como qualquer facto que impeça ou dificulte a prossecução dum objectivo.

Proactividade é, assim, a capacidade de agir em sintonia com o devir das situações, prevendo e avaliando a ocorrência das ameaças, prevenindo a ocorrência das que nos são mais desfavoráveis (impedindo que aconteçam) e preparando as acções ulteriores, segundo planos de acção a curto, médio e longo prazo.

Tendo em conta os futuros prováveis, baseados em elementos de informações colhidos continuamente, podemos controlar as situações em vez de sermos dominados por elas, limitando-nos a reagir.

Porque a proactividade inclui a reacção, incluída num círculo que contém a previsão, preparação, prevenção, reacção propriamente dita, avaliação e realinhamento dos objectivos e dos métodos.

Mas isso exige flexibilidade, traduzida na capacidade para optar, em permanência, pelas soluções mais favoráveis. Esta qualidade inclui, não só o estado de espírito do comandante ou chefe e do seu sistema de informações, como abrange a própria natureza desse sistema, isto é, a forma como está organizado (em termos de recursos e funcionamento).

Armados com estas noções, vemos claramente que a proactividade securitária existe a montante do processo meramente reactivo, exigindo uma adequada gestão da informação policial. É esta informação que, devidamente filtrada, sintetizada e contextualizada, desenha a realidade envolvente com precisão, permitindo decidir antes, durante e depois da concretização das ameaças.

Os "cenários" são traçados pelo tratamento dos elementos de informação, através do estabelecimento dum número de probabilidades específico para cada um dos factores que delimitam a liberdade de acção. O decisor, por definição, apenas escolhe. Elege uma modalidade de acção de entre as disponíveis e sacrifica as restantes.

Poder efectivo mais não é do que o exercício continuado da liberdade de acção, verdadeiro corolário da Segurança Proactiva, vista como causa e como efeito.

Para finalizar, apenas umas palavras de contrição. As noções atrás expostas e o respectivo encandeamento são absolutamente originais, dentro do que é possível e humano. A responsabilidade pela sua ininteligência é, infelizmente, impartilhável. Por sofrerem deste estigma, só desculpável pela inabilitação e considerável ignorância do autor, este desculpa-se.

quarta-feira, outubro 27, 2004

Especialização funcional versus Especialização sectorial

A Guarda tem vindo a promover novas formas de actuação policial, apostando decisivamente na especialização funcional de determinados indivíduos, que concorrem para o fim comum segundo determinadas linhas de acção. As partes mais visíveis deste esforço são as estruturas da Investigação Criminal e do SEPNA. Mas não se resumem a estas. De facto, uma grande quantidade de valências de apoio já se encontram disseminadas pelo dispositivo, como sejam as Esquadras de Cavalaria a Cavalo, as Secções de Inactivação de Engenhos Explosivos e as Equipas Cinotécnicas. Estas micro-unidades funcionais são integradas por militares especialistas que recebem formação completa quanto às tarefas que são chamados a executar. Em conjunto, tecem uma rede de funcionalidades concorrentes, por cima do mapa da nossa área de responsabilidade.

Neste ano que se aproxima do fim, a Guarda esteve perante um dos maiores desafios da sua longa história: o EURO 2004. Estivemos estreitamente envolvidos na Mega-Operação que visou garantir uma estada agradável e segura aos inúmeros visitantes, nacionais e estrangeiros, que este evento chamou.

Vendo no EURO mais uma oportunidade do que um problema, a Brigada Territorial n.º 4 aproveitou para desenvolver uma solução integrada para o estigma da criminalidade violenta. Desenvolveu o seu próprio sistema de resposta rápida graduada, colocando no terreno, completamente treinados e equipados, seis pelotões de intervenção rápida. Estes pelotões tiveram a responsabilidade de manter activas cinco patrulhas especiais por cada 24 horas, com prioridade para os horários nocturnos e de maior risco. Estabeleceram uma verdadeira rede de reacção rápida, destinada a prevenir e a combater a criminalidade violenta.

A nossa contribuição para a segurança colectiva no norte de Portugal, foi mais uma vez notada e apreciada. Os resultados provisórios falam por si. As reacções das forças vivas nacionais e regionais são enfáticas e ninguém poupa elogios.

A determinação que emprestámos ao serviço contribuiu para o extraordinário sucesso da Operação, ímpar no contexto dos eventos congéneres, realizados em todo o Mundo.

Sujeitos a esforço inusitado, começando vários meses antes e tendo que cumprir todas as tarefas exigidas pela missão, em acréscimo aquelas que normalmente executamos, mais uma vez estivemos à altura do desafio e muito mais alto do que os que desconfiavam da nossa prestação.

Para o evento, planeámos, preparámos e executámos. Quase tudo o que era possível fazer, fez-se. Identificaram-se as ameaças típicas, fixou-se uma nova organização e articulação das forças e executaram-se uma longa série de acções que passaram pela implementação de um pelotão de intervenção rápida em cada Grupo Territorial (dois no Distrito do Porto e um por cada distrito restante), o levantamento de acções de formação específica orientada para o novo modelo de policiamento, a identificação dos jogos que iriam servir como treino em exercício, a antecipação da activação dos pelotões ciclo, a criação de Forças de Intervenção Rápida nos locais mais críticos e muitas outras.

Quase todas as valências especiais usadas na Operação foram conseguidas através da subtracção dos recursos que são usados, em tempo normal, para prover às necessidades dos postos da Guarda. Claro que isso causou uma enorme sobrecarga aos militares que ficaram nos Postos, obrigados a colmatar e suportar a falta dos seus camaradas. Mas valeu a pena. E não foi ouvido qualquer queixume. Isso bem esclarece acerca da qualidade destas pessoas.

Apesar de serem evidentes as vantagens de todas estas valências orgânicas, que justificam plenamente a sua activação permanente, a verdade é que a correcta gestão dos recursos humanos disponíveis, numa perspectiva racionalizada que pretende compensar a escassez, obrigou a que se reintegrassem a maior parte dos militares especialistas no restante dispositivo.

De facto, não é possível manter o dispositivo sob esforço acrescido, mais tempo do que aquele estritamente necessário para cumprir as missões que as necessidades estritas da segurança nos impõem.

Agora que o período de esforço acabou e as valências especiais foram desconcentradas, começa a ser tempo de avaliar, retirar ensinamentos e reajustar. Tanto os dispositivos como as mentalidades.

Ao que nos parece, o modelo de especialização funcional sob comando único venceu definitivamente o velho modelo de especialização sectorial.

E nós todos fomos e seremos os actores dessa vitória.

Agravamento do risco genérico nas abordagens policiais

As reacções violentas às abordagens policiais recrudesceram nos últimos tempos.

Temos verificado que o risco genérico que os polícias enfrentam, cada vez que abordam um qualquer cidadão, tem vindo a agravar-se paulatinamente através dos anos, perante o olhar complacente quer do legislador quer do decisor, seja político, administrativo ou judicial.

O número de polícias mortos ou feridos no cumprimento do dever público já merece outro tratamento que não a mera mágoa. Tanto mais que esta depressa se transforma em tolerância ou mesmo compreensão quando os perpetradores são descobertos ou detidos.

Compreendemos que a maior parte destas reacções se funda na limitação do poder policial, característica geral das sociedades democráticas, exagerada pelo receio de que volte o monstro policial do antigamente. Mas já passaram tantos anos. Porquê ter medo agora? Estas são outras polícias, com nova gente e nova mentalidade. Continuam obedientes… Mas a um outro poder…

A maioria dos países civilizados possui severas estatuições para enquadrar e salvaguardar o trabalho policial.

É que o principal prejudicado é o normal cidadão temente da lei. A nova criminalidade, num cenário que já se desenha com nitidez, está dotada duma mobilidade e dum armamento que nunca antes teve. Para os criminosos, uma Guarda espartilhada pela lei, constitui um alvo frágil e imóvel. De facto, os riscos que os criminosos de hoje enfrentam são muito inferiores aos dos defensores da grei. E quanto menor o risco, maior será a probabilidade de ocorrência de comportamentos ilegais.

Se não podemos aumentar os recursos porque temos contenções orçamentais e também não podemos usar a capacidade total dos que temos porque as regras de empenhamento estão severamente restringidas, então como poderemos obviar ao aumento das ocorrências criminais?

A consequência necessária seria a má prestação do serviço público.

É certo que podemos usar da criatividade para aumentar a produtividade. E é isso que tem sido feito e os resultados estão à vista.

Não procuramos mais poder mas menos risco. Pensando mais no bem público do que no nosso.

Necessitamos muito do apoio da população portuguesa, bem informada por Órgãos de Comunicação Social isentos e com consciência social.

Do poder político e administrativo esperamos uma atitude crítica mas compreensiva. Sem complacência. Precisamos de suporte legislativo para uma acção policial positiva, que estabeleça regras e não somente restrições e proibições.

Finalmente, no decisor judicial depositamos a esperança de que os actos policiais sejam examinados à semelhança de todos os que são humanos, fracturados pelo erro mas coerentes nos fins.


sexta-feira, junho 04, 2004

Proximidade na Guarda

A heterogeneidade do universo de recrutamento da Guarda, verdadeiro caldo de culturas, classes, cores, credos, extractos sociais e económicos, juntamente com o facto de nela estarem representados quase todos os patamares etários adultos, dá-lhe o carácter de “polícia próxima” que a congénere PSP perdeu e todos parecem querer encontrar. De facto, mesmo nas zonas de grande densidade populacional (quiçá as maiores), só quem não quer ver proximidade é que não a vislumbra.

O conceito de proximidade que tem vindo a perpassar pelas mentes pseudo-esclarecidas de uns poucos intelectuais dos saudosos 60, é absolutamente inadequado. Não exprime nenhum conceito operacionalizável, que não seja o do facilitismo populista de quem educa os seus filhos como "confidentes e amigos", privando-os de referências absolutas e condenando-os a uma vida de incertezas, indecisões, medos e fraquezas.

De qualquer forma, é necessário olhar crítica e desapaixonadamente para as motivações do Estado Português, que manteve ao seu serviço duas congéneres tão díspares nas culturas institucionais mas tão idênticas nas funcionalidades diárias. Na nossa opinião, isso sucedeu porque o legislador reconhece a utilidade da existência de dois níveis de intervenção, um a que vamos chamar “PRÓXIMO” (algo cinicamente) e um outro a que poderemos chamar “MUSCULADO”. Um de características marcadamente municipalistas e um outro de características nacionais. Resumindo, uma força para levar as coisas a bem e uma outra para intervir de forma um nadinha mais “persuasiva”. Não vamos desenvolver este tema porque já se viu onde queremos chegar: A Guarda é e sempre foi uma força de regime, herdeira das tradições da Guarda Pretoriana, da Guarda Imperial Bizantina (os excubitores portadores do escudo do sagrado labrarum) e de todas as suas seguidoras (a Guarda Imperial de Napoleão não foi excepção, qualquer que tenha sido o nome que lhe puseram).

O grande erro foi cometido quando se começou a confundir outras duas especializações sectoriais, os militares e os Polícias. É que o facto de ambos serem "homens de armas" não quer dizer nada...

Se pensarmos a sério nas diferenças, encontramos sobretudo três:

Por um lado, os "milites" pensam em termos de inimigo-amigo e os pacificadores da polis nem sequer sabem se têm adversário...

Por outro, os militares obedecem primeiro ao seu superior hierárquico e só depois aos ditames da lei enquanto os polícias fazem exactamente o contrário. É por isso que estes últimos nunca protagonizam revoluções...

Por último, os militares agem em grupo, organizados em valências orgânicas bem definidas, obedecendo cada um a um único indivíduo, enquanto cada polícia dá contas a um enorme conjunto de pessoas, todas com distintos graus de poder...

Quando tento incluir a Guarda e os Guardas num destes grupos, deparo com dificuldades várias, mas, invariavelmente, acabo por escolher o segundo.

Já agora e a título de comentário, faria muito mais sentido que nas armas da Guarda e das suas especialidades funcionais se desse destaque ao escudo (segurança) em vez da espada (que tem carácter militar e pendor agressivo).

segunda-feira, maio 24, 2004

Formação Policial

O maior estigma da formação policial portuguesa é o estar organizada à volta das culturas institucionais em vez de se ater aos conteúdos, em concreto. Isso não faz nenhum sentido já que é líquido não haver duas investigações criminais, duas criminologias, duas ordens públicas, etc. A especialização funcional voltada para a excelência das prestações é a palavra de ordem e não deveria ocupar as mentes planificadoras a manutenção de inércias institucionais ou a criação de “lobbies” baseados na pulverização organizacional. Se é verdade que o espírito de corpo é filho da especialização sectorial, também é verdade que sem elevados níveis de eficácia este se perde na cristalização do “status quo”.
Ora, é transversal para a maior parte dos pensadores actuais que a felicidade é simultaneamente causa e consequência da excelência nas prestações, constituindo factor muito mais importante do que a formação ou a certificação. Colocar o “homem certo no lugar certo” é o maior e mais difícil objectivo dum sistema de gestão de pessoal. Se o “homem certo” estiver desmotivado, os resultados óptimos deixam de ser atingíveis. As consequências relativamente ao indivíduo e à respectiva prestação são evidentes, mas os efeitos nefastos para o todo operacional são mais difíceis de constatar. De facto, as culturas institucionais e a própria identificação dos indivíduos com os objectivos do grupo estão intimamente relacionados com os níveis de satisfação alcançados no devir do exercício funcional. Concretizando e militarizando o discurso, o “espírito de corpo” é filho da “camaradagem” e do “dever cumprido”, sendo que as unidades ou serviços que o possuem têm reunidas as condições para “levar a carta a Garcia” (cumprir cabal e prontamente a missão sem discutir condicionantes, motivos ou oportunidades). Hoje em dia, sabe-se que o verdadeiro comando (na acepção de “mandar com”), passa pela gestão dos entusiasmos individuais, estes criados a montante do sistema e alimentados pela justa e equilibrada aplicação de normas genéricas e universais, que satisfaçam expectativas fundadas na valorização das prestações. A talhe de foice, refira-se que a análise das prestações é fundamental, principalmente se feita contrapondo os objectivos ao grau de cumprimento que os mesmos tiveram durante um determinado período de tempo, ponderados que sejam os métodos usados para os alcançar. Esta análise é comummente considerada como mais valiosa para as organizações do que a atenção dada à formação (de base ou de actualização) ou, por maioria de razão, à certificação. De facto, a formação não é um objectivo de per si, mas sim um meio para criar mais valias ao nível prestativo. A certificação, por sua vez, apenas assegura a posse de competências determinadas, possibilitando a atribuição de responsabilidades no caso de não serem cumpridas as exigências de uma determinada tarefa. Se o recrutamento, a selecção ou a escolha forem feitos com base exclusiva na certificação, os malefícios serão muitos, mas se a valoração da certificação (classificação em sessões de formação) for priorizada, as consequências serão catastróficas. Escusamo-nos de desenvolver este assunto, que por si só mereceria comentário circunstanciado.
Convém ainda discutir das causas, das necessidades e dos efeitos da formação nas prestações individuais e no cumprimento das tarefas que incumbem à organização, no seu todo. Acerca desta problemática muito haveria que dizer, mas vamo-nos limitar a constatar o óbvio. Em primeiro lugar, a formação é sempre um investimento, desde que verse matéria útil à organização que a promove ou favorece e o indivíduo se mantenha nos seus quadros. De facto, a palavra de ordem dos modernos sistemas de formação contínua é o “cross-training” em que os diversos especialistas são treinados nas tarefas normalmente atribuídas às especialidades paralelas, criando e alimentando a colaboração entre as diversas funções. O fornecimento destes conteúdos formativos permite o levantamento de equipas multidisciplinares, que tiram o máximo partido das sinergias endógenas a este tipo de grupos de trabalho. Este conceito é largamente utilizado nos países desenvolvidos, consubstanciando o regime de “task force” no paradigma norte americano.
Também a incorporação de indivíduos isolados que possuam conhecimentos duma determinada área tem efeitos altamente benéficos para as organizações, quer pela sensibilização dos vários níveis hierárquicos quer pela acção da formação informal que normalmente ministram. Estes efeitos notam-se mais nas fracções operacionais generalistas, isto é, naqueles que contactam em permanência com a situação no terreno. Quando incorpora um especialista, o grupo generalista cresce em mais valias globais e nas relativas à área específica respectiva. No caso da Guarda estes efeitos são claramente visíveis no serviço territorial, quando é incorporado um militar especialista provindo da BF, BT ou da Cavalaria. Por tudo isto, mesmo que a orgânica institucional não preveja lugares para os militares deslocados, a formação que não for aplicada no serviço ou entidade que a promoveu, acaba por ser agente de progresso efectivo.