segunda-feira, maio 24, 2004

Formação Policial

O maior estigma da formação policial portuguesa é o estar organizada à volta das culturas institucionais em vez de se ater aos conteúdos, em concreto. Isso não faz nenhum sentido já que é líquido não haver duas investigações criminais, duas criminologias, duas ordens públicas, etc. A especialização funcional voltada para a excelência das prestações é a palavra de ordem e não deveria ocupar as mentes planificadoras a manutenção de inércias institucionais ou a criação de “lobbies” baseados na pulverização organizacional. Se é verdade que o espírito de corpo é filho da especialização sectorial, também é verdade que sem elevados níveis de eficácia este se perde na cristalização do “status quo”.
Ora, é transversal para a maior parte dos pensadores actuais que a felicidade é simultaneamente causa e consequência da excelência nas prestações, constituindo factor muito mais importante do que a formação ou a certificação. Colocar o “homem certo no lugar certo” é o maior e mais difícil objectivo dum sistema de gestão de pessoal. Se o “homem certo” estiver desmotivado, os resultados óptimos deixam de ser atingíveis. As consequências relativamente ao indivíduo e à respectiva prestação são evidentes, mas os efeitos nefastos para o todo operacional são mais difíceis de constatar. De facto, as culturas institucionais e a própria identificação dos indivíduos com os objectivos do grupo estão intimamente relacionados com os níveis de satisfação alcançados no devir do exercício funcional. Concretizando e militarizando o discurso, o “espírito de corpo” é filho da “camaradagem” e do “dever cumprido”, sendo que as unidades ou serviços que o possuem têm reunidas as condições para “levar a carta a Garcia” (cumprir cabal e prontamente a missão sem discutir condicionantes, motivos ou oportunidades). Hoje em dia, sabe-se que o verdadeiro comando (na acepção de “mandar com”), passa pela gestão dos entusiasmos individuais, estes criados a montante do sistema e alimentados pela justa e equilibrada aplicação de normas genéricas e universais, que satisfaçam expectativas fundadas na valorização das prestações. A talhe de foice, refira-se que a análise das prestações é fundamental, principalmente se feita contrapondo os objectivos ao grau de cumprimento que os mesmos tiveram durante um determinado período de tempo, ponderados que sejam os métodos usados para os alcançar. Esta análise é comummente considerada como mais valiosa para as organizações do que a atenção dada à formação (de base ou de actualização) ou, por maioria de razão, à certificação. De facto, a formação não é um objectivo de per si, mas sim um meio para criar mais valias ao nível prestativo. A certificação, por sua vez, apenas assegura a posse de competências determinadas, possibilitando a atribuição de responsabilidades no caso de não serem cumpridas as exigências de uma determinada tarefa. Se o recrutamento, a selecção ou a escolha forem feitos com base exclusiva na certificação, os malefícios serão muitos, mas se a valoração da certificação (classificação em sessões de formação) for priorizada, as consequências serão catastróficas. Escusamo-nos de desenvolver este assunto, que por si só mereceria comentário circunstanciado.
Convém ainda discutir das causas, das necessidades e dos efeitos da formação nas prestações individuais e no cumprimento das tarefas que incumbem à organização, no seu todo. Acerca desta problemática muito haveria que dizer, mas vamo-nos limitar a constatar o óbvio. Em primeiro lugar, a formação é sempre um investimento, desde que verse matéria útil à organização que a promove ou favorece e o indivíduo se mantenha nos seus quadros. De facto, a palavra de ordem dos modernos sistemas de formação contínua é o “cross-training” em que os diversos especialistas são treinados nas tarefas normalmente atribuídas às especialidades paralelas, criando e alimentando a colaboração entre as diversas funções. O fornecimento destes conteúdos formativos permite o levantamento de equipas multidisciplinares, que tiram o máximo partido das sinergias endógenas a este tipo de grupos de trabalho. Este conceito é largamente utilizado nos países desenvolvidos, consubstanciando o regime de “task force” no paradigma norte americano.
Também a incorporação de indivíduos isolados que possuam conhecimentos duma determinada área tem efeitos altamente benéficos para as organizações, quer pela sensibilização dos vários níveis hierárquicos quer pela acção da formação informal que normalmente ministram. Estes efeitos notam-se mais nas fracções operacionais generalistas, isto é, naqueles que contactam em permanência com a situação no terreno. Quando incorpora um especialista, o grupo generalista cresce em mais valias globais e nas relativas à área específica respectiva. No caso da Guarda estes efeitos são claramente visíveis no serviço territorial, quando é incorporado um militar especialista provindo da BF, BT ou da Cavalaria. Por tudo isto, mesmo que a orgânica institucional não preveja lugares para os militares deslocados, a formação que não for aplicada no serviço ou entidade que a promoveu, acaba por ser agente de progresso efectivo.